terça-feira, 20 de outubro de 2009

O perdão nas religiões

Dar a outra face é a exceção pregada pelo cristianismo. Desde a mais tenra antiguidade, as religiões não apenas amparam como incentivam a vingança desproporcional ao agravo. O Velho Testamento é repleto de passagens do tipo "olho por olho".  Mesmo antes de Moisés, pode-se ler: "Certamente requererei o vosso sangue, o sangue das vossas vidas; da mão de todo o animal o requererei; como também da mão do homem,  e da mão do irmão de cada um requererei a vida do homem.(Gênesis 9:5). A vingança é uma característica marcante, a forma ideal de resolver os problemas pessoais.

Nenhuma passagem é tão constrangedora quanto aquela em que o profeta Eliseu é chamado de "careca" por um grupo de crianças e, em resposta, manda dois ursos sairem da floresta e despedaçarem 42 criancinhas (2 Reis 2:23-24). Deve ser o único caso registrado em que uma peruca teria evitado uma carnificina.  

Há algumas boas intenções. Ao mesmo tempo que tentou limitar o dano causado, para evitar que uma série de ações violentas escalassem rapidamente e saíssem do controle, a famosa lei de talião, que merece vários destaques na Bíblia (Êxodo 21:22-25, Levitico 24:19–21 e Deuteronômio 19:21), acabou por institucionalizar a vingança como ação justificável até nossos dias. 

Foi limite o que faltou a Teodora, esposa do imperador Justiniano, que convidou a população para um espetáculo no estádio onde mandou degolar 30 mil pessoas por insurreição. Mesmo assim, o desmedido massacre não impediu que ela fosse canonizada pela Igreja Católica Ortodoxa. 

Em tese toda religião prega o perdão. Em todas elas o perdão aparece como uma proposta acima das propostas, e ali fica. No transcorrer dos textos, das normas, das regras ele fica esquecido, trocado pelo mais vil dos sentimentos. Afinal, o ódio conquista mais que a paixão.

Judeus que matam islâmicos que matam judeus que matam islâmicos têm no Yom Kippur o mais importante de seus feriados. O chamado Dia do Perdão é conhecido como o "sábado dos sábados".  Vão todos às sinagogas, leem o livro de Jonas, tocam o shofar para despertar os valores morais e espirituais. É o dia de judeus perdoarem seus inimigos, certo? Errado! De acordo com o Talmud, a celebração do Yom Kippur pode purificar somente os pecados entre o homem e deus. Os outros que se danem. Patético...

Como instituição, a religião é má conselheira. As guerras religiosas são sempre as mais inexplicáveis, duradouras e cruéis da história humana. Paradoxalmente aquela que deveria dar conforto ao homem e ajudá-lo a alcançar a sabedoria necessária para entender a origem do desejo de vingança e aprender a domá-lo, nos inunda com exemplos da mais gratuita crueldade como receita para apaziguar o espírito.

Eu prefiro os versos escritos há 25 séculos pelo poeta grego Ésquilo: 

"Enquanto dormimos
a dor que não se dissipa 
cai gota a gota sobre nosso coração
até que, em meio ao nosso desespero
e contra nossa vontade
apenas pela graça divina
vem a sabedoria"  

Dentro da religião, no ápice de nosso sofrimento só nos cabe contar com uma última reflexão:

Pai, perdoai-os, porque, se eu puder, eu cubro de porrada.

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