terça-feira, 22 de setembro de 2009

O Estado laico

Uma das coisas que mais incomodam os ateus é o fato de o Estado brasileiro ser laico mas manter práticas religiosas nos espaços públicos. Na Câmara Municipal de Belo Horizonte, a sessão ordinária é aberta com uma quase-oração: "sobre a proteção de Deus e em nome do povo de Belo Horizonte, declaro aberta a sessão", repete diariamente o presidente da casa.

Seguindo a mesma lógica religiosa (sic), repartições públicas, postos de saúde e salas de audiências judiciais mantêm símbolos em suas paredes e em todas as notas da moeda brasileira está escrito "Deus seja Louvado". O movimento Brasil para Todos pede o fim desse tipo de prática. No site do movimento é possível encontrar a justificativa: "A presença dos símbolos religiosos em repartições públicas viola um dos princípios básicos das democracias modernas, que é o da separação entre Igreja e Estado".

Exigir obediência a Constituição Federal em nosso país é piada. Em seu artigo 19 indica que  o estado é laico, mas no preâmbulo expressa que os representantes do povo brasileiro agiram sob a proteção de deus. Vai entender o que de fato aconteceu naquela constituinte.

Os tribunais foram desobrigados de retirar os crucifixos em sentença proferida pela juíza Maria Lúcia Lencastre Ursaia, da 3ª Vara Cível Federal de São Paulo,. Segundo a magistrada, “a laicidade prevista na Constituição veda à União, Estados, Distrito Federal e Municípios estabelecerem cultos ou igrejas, subvencioná-las, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com elas ou seus representantes relação de dependência ou aliança, previsões que não implicam em vedação à presença de símbolos religiosos em órgão público”, mostrando que ela não lê jornais, ou finge que não lê, ou é católica mesmo.

Então, se não podem ter alianças, o que são os símbolos católicos? Decoração? Eu preferia um quadro de Monet.

Eu reconheço que o fato de olhar para um crucifixo não torna ninguém cristão (o mais apropriado seria católico). Sua presença é meramente intimidatória, lembrando aos juízes nos tribunais  o ônus de suas decisões e aos parlamentares nas assembleias que se desagradarem a religião estabelecida, provavelmente não serão reeleitos.

Ainda na Constituição Federal, sociedades religiosas não pagam impostos (renda, IPTU, ISS etc...) e recebem subsídios financeiros para suas instituições de ensino e assistência social. O ensino religioso faz parte do currículo das escolas públicas, que privilegia o cristianismo e discrimina outras religiões, assim como discrimina todos os não crentes. O artigo 150 da Constituição proíbe a criação de impostos federais, estaduais e municipais sobre "templos de qualquer culto".  Santa laicidade.
 
Em um momento de lucidez, em 2006, em uma ação inédita, o Ministério Público obrigou a Universidade de São Paulo (USP) a retirar um crucifixo colocado na sala de espera da clínica odontológica após receber queixa de uma pessoa incomodada com o objeto. Um detalhe, o reclamante não era ateu, mas evangélico.

Argumentos (religiosos adoram argumentos) para o avanço sobre o Estado defendem que a grande maioria da população é católica, que o país tem uma formação católica, que os valores do catolicismo estão na alma do nosso povo e (se tudo o mais falhar) que deus é brasileiro (coitado)

Essa apologia de fazer valer o direito da maioria me apavora. Não por sua orientação eminentemente nazista, mas por sua burrice. Todos nós somos minoria em alguma coisa, e aí queremos ter nosso direito preservado.

Quer um exemplo?

Há tantos corintianos (cerca de 15 milhões, segundo o Datafolha) quanto católicos no estado de São Paulo. Há tantos flamenguistas (cerca de 13 milhões, segundo o Ibope) quanto católicos no estado do Rio de Janeiro.

Como você se sentiria se trocassem o imponente crucifixo de tribunais e da Assembleias Legislativa do estado por um escudo do Corinthians? Os escudos do Timão em São Paulo e do Mengão no Rio representam o anseio de uma parcela mais significativa da população que o crucifixo.

E se na notas de Real passasse a vir escrito “Todo Poderoso Timão” ou  "Uma Vez Flamengo..."?

E se você tivesse de cantar o hino do Corinthians antes de começar sua aula, ou antes de um dia de trabalho numa certa rede de lojas?

Corintianos e flamenguistas adorariam. São maioria. Mas é para isso que a sociedade existe, impor a vontade da maioria? Constranger qualquer um que pense diferente?

Corintianos, flamenguistas, torcedores de todos os times, até os tricolores, tem todo o direito de se reunir para torcer, comemorar, criticar, vaiar e até xingar seus times. Mas não podem impor esses atos a toda sociedade.
No futebol, membros de nossa sociedade são livres para escolher para quem torcer, sem constrangimento. Vamos dar um passo além e estender esse direito a (des)crença religiosa.

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