quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Vinde a mim as criancinhas (2)

Por dentro do escândalo de abuso sexual católico na Alemanha

Outra acusação foi dirigida contra um ex-membro da ordem Salesiana, que trabalhou na Casa de Estudantes Dom Bosco na cidade bávara de Augsburg, até meados da década de setenta. Segundo a porta-voz Gabriele Merk-Horstmann, a ordem pretende investigar “toda as alegações, independentemente da identidade dos indivíduos envolvidos”, bem como “oferecer às vítimas todo o apoio que nos for disponível”.

Abusos sexuais teriam também ocorrido em um orfanato administrado pelas Irmãs de Caridade de São Vicente de Paulo, na cidade de Oggelsbeuren, no sul da Alemanha. Uma vítima diz que, quando criança, era obrigada a levar as refeições para o padre no quarto deste. O padre aparentemente mostrava imagens pornográficas ao garoto enquanto o acariciava. Mais tarde esse padre foi transferido para o exterior. O caso foi submetido à comissão de abusos da diocese de Rottenburg-Stuttgart no final da semana passada.

Em uma escola marista católica na cidade bávara de Mindelheim, garotos de 13 a 15 anos de idade teriam sido convocados a ir até o quarto de um professor leigo – um aposento adjacente ao dormitório dos meninos – durante a noite. Segundo um ex-aluno, o professor dava bebidas alcoólicas aos garotos até que estes ficassem embriagados, e a seguir os molestava e, em alguns casos, os estuprava.

A testemunha calcula que o número de garotos afetados seja “de dez a 15”, apenas no seu dormitório. O padre Winfried Schreieck, o ex-diretor da escola, diz atualmente que jamais ouviu qualquer alegação de abusos. Ele acrescenta que tem certeza também “de que aqueles que comandam a ordem procuram investigar qualquer acusação relatada por vítimas de abusos”

A Igreja Católica da Alemanha foi abalada nos últimos dias por revelações de uma série de casos de abuso sexual, arranhando a imagem mais uma vez dos padres católicos. O próprio papa Bento XVI é alemão e se preocupa com a repercusão dos escândalos

Dezenas de vítimas de abusos entraram em contato com “Der Spiegel” nas duas últimas semanas, relatando histórias semelhantes. Algumas dizem que, atualmente, decorridas várias décadas, ainda sentem-se enojadas ao pensar nas carícias, tentativas de sedução e beijos por parte de padres e leigos, enquanto outras continuam traumatizadas após terem sido estupradas quando crianças.

“Nada mais estava certo no meu mundo”

Os nomes de instituições, paróquias e ordens envolvidas parecem compor uma lista de quem é quem no universo católico. Os franciscanos, por exemplo, estão às voltas com acusações de abusos sexuais em um internato, há muito fechado, em Grosskrotzenburg, perto de Frankfurt. Um ex-aluno alega que vários padres da escola praticaram atos abusivos do final da década de sessenta até o início dos anos setenta. “Nós fizemos contato com o ex-aluno, de forma que possamos discutir as acusações e, se possível, investigá-las”, diz Hadrian Koch, o vigário provincial franciscano encarregado do caso.

Muitas entidades e organizações católicas, incluindo os salvatorianos, os palotinos, paróquias, orfanatos administrados por igrejas e organizações de escoteiros estão tendo atualmente que lidar com as acusações feitas por ex-alunos.

Entretanto, devido às suas experiências, muitas das vítimas têm pouca confiança em uma investigação conduzida exatamente pela instituição que ocultou os abusos, às vezes durante anos ou até décadas.

“Aquilo pelo que eu passei modificou algo de fundamental dentro de mim”, afirma um homem que, quando criança, foi colocado em um campo de refugiados em Unna-Massen, perto de Dortmund, para pessoas de etnia alemã que estavam imigrando de ex-países comunistas para a Alemanha. Lá, ele sofreu abusos sexuais por parte de um padre da diocese de Paderborn.

“De repente, nada mais estava certo no meu mundo”, recorda o homem. “Um criminoso como aquele não faz ideia daquilo que ele está destruindo dentro de alguém”.

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